Da incompreensão

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É sempre surpreendente quando o “politicamente incorrecto” acontece por puro acidente. Mas o que aconteceu esta manhã explica como nascem as grandes polémicas azedas: por vezes não significa que quem tem um microfone à frente seja um punk do caraças; apenas que quem está do outro lado a ouvir, ouve mal. Isto manda abaixo a ambição de rebeldia que uma pessoa tem: quando eu soube pela produtora das Manhãs da Comercial, a Margarida Moura, que, a seguir à 2ª edição de hoje d’ O Homem Que Mordeu o Cão, ligara uma senhora furiosa comigo por causa de uma história real que contei, a minha primeira reacção foi sentir-me provocador e sexy. Depois percebi que a fúria da senhora deveu-se, apenas, pelo que tudo indica, a má audição.

A história real em questão é das mais cómicas que me passaram pela frente nos últimos tempos. E chega a ser poética pela maneira como expõe, de maneira épica, a estupidez e a falta de sentido dos extremismos e dos preconceitos.

O que se passou foi que um bando de neonazis colombianos, revoltado com a entrada de refugiados sírios na Europa, decidiu, calorosamente, ir à Alemanha demonstrar solidariedade para com os seus émulos europeus – nomeadamente os neonazis alemães. Sabendo que os neonazis alemães iam organizar uma manifestação para protestar contra os refugiados, os neonazis colombianos juntaram dinheiro e meteram-se num avião para Berlim, para conhecer e trocar experiências com os neonazis alemães. Quando chegaram, antes de terem tempo de dizer “olá” ou de fazer a saudação nazi, os morenos neonazis colombianos já estavam a levar porrada dos arianos neonazis alemães. Razão: os neonazis alemães confundiram-nos com refugiados da Síria.

Isto é sátira a escrever-se a si própria. E adorei narrar este caso.

Depois do programa, o telefonema da senhora, em fúria. Por momentos pensei: se calhar é uma senhora nazi. E nesse caso, perfeito. Mas não: revoltada, a senhora disparava contra a nossa produtora, a Margarida, que não se podia gozar com o Holocausto. A Margarida explicou-lhe cerca de muitas vezes o ângulo da piada; a senhora mostrou-se intransigente até ao final. Aparentemente, ao contar a história de como dois bandos fascistas que acreditam nos mesmos ideais se anularam à porrada precisamente por causa desses ideais… eu estaria a insultar a memória das vítimas do nazismo.

O que se passa não é que o humor esteja mais incorrecto. As pessoas é que estão mais surdas.

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