O flagelo das séries

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Eu gostaria que, de facto, os grandes criadores de televisão parassem, por um momento, de fazer séries. A sério, temos que cheguem. Temos que cheguem para uns três anos de bom binging. Deslarguem-nos. Começa a ser francamente desagradável soterrar o público em qualidade. Começo a gostar da falta de ambições das televisões portuguesas a esse nível: se houvesse muitas séries portuguesas de qualidade, era ainda mais ingovernável. Não queremos isso cá.

Dito isto, ando a tentar orientar-me no mar de novas séries com que estamos a ser bombardeados nesta era. Eis uma resenha do que ando a ver.

Better Call Saul – É Vince Gilligan, é Bob Odenkirk e é a prequela de Breaking Bad. Está na 2ª temporada. ‘Nuff said.

Vinyl – Consta que as audiências não foram famosas, o que é uma pena e prova que, se calhar, este mundo está a ficar demasiado limpinho e asséptico para o regresso ao mundo de sexo, drogas e rock n roll proposto por Martin Scorsese, Mick Jagger e Terence Winter. O piloto é impressionante de som, fúria e paixão – fiquei pasmado ao ler algumas críticas que o apelidavam de “histérico”. Sim, definitivamente, o mundo anda a ficar banana, normalizado, chato. Uma pena, porque Vinyl é apaixonante. E além disso é uma experiência multimédia de paraíso, para um fã de música. Não se esgota no visionamento de cada episódio; prolonga-se pelo conceito das bandas sonoras semanais no Spotify, que incluem artistas de hoje a cantar que nem artistas de ontem e pela revista on-line gratuita Vinyl Cuts, contendo artigos sobre os bastidores da série.

Ash Vs. Evil Dead – Muito antes de The Walking Dead ter feito dos zombies criaturas tão mainstream como os médicos de Anatomia de Grey, Bruce Campbell, o mais brilhante actor de série B da História, despachava deadites (atenção, que não são bem a mesma coisa que zombies!) em vertigens dementes de sangue, tripas e comédia. Eu e outros fãs dos filmes da saga Evil Dead (composta por três filmes – Evil Dead, Evil Dead II: Dead by Dawn e Army of Darkness) há muito que ansiávamos que Sam Raimi e Campbell ressuscitassem o franchise, mas toda a gente se contentava com um filme que recuperasse o maior matador de mortos-vivos demoníacos da História; ninguém estava à espera que fosse sob a forma de uma série que, objectivamente, oferece aos fãs um novo mini-filme da saga Evil Dead todas as semanas. É o Euromilhões. Nota: para se apreciar devidamente esta série, é essencial ver os filmes originais. Sobretudo o I e o II.

The People Vs O.J. Simpson: American Crime Story – Os maiores peritos de Hollywood em biografias bizarras, Scott Alexander e Larry Karaszewski (Ed Wood, Larry Flynt, Big Eyes) abraçam a escrita e produção de um dos julgamentos mais mediáticos da História: o da antiga estrela de futebol americano (e actor em Aonde é Que Pára a Polícia), O.J. Simpson, acusado de ter morto a ex-mulher de forma particularmente sangrenta e selvática. A maravilha desta série, co-produzida e, por vezes, realizada por Ryan Murphy (Glee, American Horror Story, Nip/Tuck), está na deliciosa fusão entre um certo espírito de telenovela e, ao mesmo tempo, uma inteligência aguda a analisar o poder manipulativo de advogados e dos media. E as saudades que tínhamos de ver Cuba Gooding Jr. a fazer um papel de jeito. E há ainda John Travolta, David Schwimmer – mas, sobretudo, a fantástica Sarah Paulson no papel da carismática e “não-estou-cá-com-merdas” Marcia Clark, representante do Ministério Público.

Baskets – Já não é a primeira vez que os fãs de Zach Galifianakis têm doses semanais de Zach Galifianakis (ele era uma das personagens de Bored to Death). Mas Baskets, co-criado por Galifianakis com os grandes Louis C.K. e Jonathan Krisel (Portlandia) é centrado em duas personagens do outrora cheio e agora menos cheio comediante, dois irmãos gémeos – um é um palhaço pretensioso formado numa escola de circo parisiense que só arranja trabalho, na América, num rodeo; e o outro um composto criador de uma universidade por correspondência para cursos práticos que não há nas faculdades. Como seria de esperar de algo saído da mente de Louis C.K., é frequentemente melancólico e poético – mas hilariante, também.

Love – O número de boas séries novas produzidas pela Netflix era perfeitamente aceitável. Mas Judd Apatow (Freaks and Geeks, Virgem aos 40 Anos) não podia ficar quieto. Não senhor. Então convocou o comediante Paul Rust para criar com ele uma ode ao amor nerd, mas sem cair em lugares-comuns (embora Rust seja um caixa de óculos de nariz grande). À boa maneira Netflix, a série já está disponível por inteiro, mas ainda só vi o primeiro episódio e apreciei o equilíbrio inteligente entre humor descarado e atrevido e alma pura e sensível. Pode ser muito bom. Vou tentar ver o resto o mais depressa possível e depois digo qualquer coisa.

Agora, por favor, não se ponham com “então e viste X?”, “então e o que dizes de Y?”. Para já porque não há séries chamadas X e Y. E depois porque não tenho tempo para mais.

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